A memória das palavras


“Lutem para que o fascismo não torne a acontecer neste país”.
A 18 de novembro de 1920, nascia em Santarém, um menino a quem foi posto o nome de António Martinho do Rosário. Viria a tornar-se num dos maiores dramaturgos portugueses do século XX. Dotado de um dom especial para o texto dramático aliado à sua formação académica em Medicina, tornar-se-ia um psiquiatra dos sentimentos humanos e deixar-nos-ia uma série de peças que revolucionaram o teatro português. As suas ideias pouco heterodoxas na análise dos carateres humanos e que acompanhou os pescadores do bacalhau em campanhas na Terra Nova (Nos mares do fim do mundo), levaram-no a ser censurado das representações dos teatros portugueses.    Se o leitor procura na capa dos livros o nome de baptismo, certamente não irá encontrar, mas se pesquisar por Bernardo Santareno, então terá uma série de resultados que o irão surpreender. Nome de topo da escrita dramatúrgica dos anos sessenta e setenta foi um exímio escritor a par do exercício da Medicina, na área da Psiquiatria. Herdeiro do teatro épico, na linha de Bertolt Brecht, a sua peça mais divulgada e que ainda hoje serve de paradigma, foi O Judeu baseada na vida e obra de António José da Silva. Em 1957, saiu o seu primeiro volume de teatro, que reúne três peças: A promessa, O bailarino e A excomungada. A estreia da primeira, no Porto, teve um enorme êxito, mas uma campanha levada a cabo na sociedade portuense fez com que a representação fosse suspensa. Por causa das ideias de denúncia social que as suas peças veiculavam, as peças publicadas a partir de 1960 foram proibidas. Uma das obras mais emblemáticas foi O Crime de Aldeia Velha, representada novamente no Porto e em Lisboa o D. Maria II, levou à cena O Lugre. Só a partir de 1967, voltaram a ser representadas obras suas em Lisboa. Nesta primeira fase, o teatro do autor caracterizou-se pela mistura de temas populares com preocupações existenciais, pela agressividade de conflitos e pela ousadia de temas abordados relacionados com paixões violentas e pelo domínio do sentimento sobre a razão.Numa segunda fase, com O Judeu começou a notar-se mais a influência brechtiana com a utilização de um estilo pessoal e maraca o confronto entre o que se passou com a Inquisição e a morte de Antº José da Silva e aquilo que se passou no regime salazarista do estado Novo. É visível o tema da intolerância. Esta intervenção social duramente crítica, aparece também nas peças A Traição do Padre Martinho e Português, escritor, 45 anos de idade, de 1974. A partir desta época dedicou-se também à escrita de textos para o teatro de revista sendo o mais conhecido Para trás mija a burra. As últimas obras misturam o estilo das duas fases anteriores inserindo o tema da problemática sexual no processo social complexo do fim da ditadura. As últimas produções foram todas representadas nos teatros lisboetas e depois algumas na televisão. Algumas também foram colocadas em filme.Luiz Francisco Rebello, editor e crítico da sua obra completa, diz que as suas obras “testemunham a capacidade do autor de atualizar a tragédia – estando os deuses substituídos por normas sociais opressoras – e de proceder “ao estudo do mal através dos mecanismos do inconsciente, objetivando os ‘novos demónios’ do nosso tempo que, como as Erínias, atormentam os heróis” A reivindicação feroz do direito à diferença e do respeito pela liberdade e a dignidade do homem face a todas as formas de opressão, a luta contra todo o tipo de discriminação, política, racial, económica, sexual ou outra.    Bernardo Santareno faleceu em 1980. A melhor homenagem, neste centenário do seu nascimento, será reler a sua obra para não esquecermos.