Às zero horas do primeiro dia do ano em que vivemos teve o sinal de partida,

muito festejado, com milhões de garrafas de champanhe a estoirar, para a sua viagem global, o comboio a que foi dado o número vinte vinte, que em dias terá uma duração, nesta viagem, de trinta dúzias e meia.Na ocasião em que escrevo, um sexto da viagem está cumprido. Tem já cumprida a sua paragem na estação da “Folia”, onde acontece um dos eventos mundiais mais festejado. Tem aqui a maior paragem, são três dias. Já arrancou e está noutro percurso onde se vai registar maior reflexão até à próxima paragem que vai acontecer em plena primavera, a seguir ao seu equinócio, para se celebrar o maior evento religioso no mundo católico.Neste comboio, que será uma composição de doze carruagens, tem a particularidade de fazer uma circulação completa e acabar a sua viagem na estação no ponto de partida. Os passageiros nem sempre são os mesmos, muitos ficam pelo caminho e outros apanham a composição em andamento.Aqui, pelo mundo que eu piso e pelas contas que eu faço, são sempre mais à partida do que à chegada, o que vai contribuindo para que cada habitante tenha cada vez mais espaço por sua conta para poder esticar as pernas. Noutros pontos do globo servidos por esta ferrovia, já não acontece o mesmo. O aperto é cada vez maior e nota-se a falta de dois bens essenciais, a liberdade e o pão para a boca.Fazemos esta viagem sem o pagamento de qualquer importância, mas circulamos sempre sem qualquer atraso, pois tem que se respeitar escrupulosamente a tabela horária descrita pelo calendário, que o torna infalível, não necessitando por isso filas de espera, mas também não deixa de ser verdade que não espera por ninguém, mesmo que seja um caso de força maior.É neste comboio que fazemos a nossa vida. É aqui que todos temos que levar a cruz ao calvário, sem saber o que nos acontecerá no dia seguinte, pois se o transporte tem marcha certa e está livre de qualquer descarrilamento, já os utentes só estão abrangidos pelo destino a que nos é vedado todo e qualquer conhecimento. Ficamo-nos pela cautela que apenas nos aconselha a desviar-nos de qualquer perigo que possa estar iminente.Muito embora esta circulação se faça num horário muito certinho, também tem os seus percalços, o comboio continua sempre, mas os seus utentes nem sempre vão bem instalados, calhando a muitos deles o abandono da viagem.Estou aqui a falar no aspeto virtual, recorrendo à linguagem metafórica para vos mostrar como é a nossa vida terrena vista de um ângulo mais suave, onde nem sequer aparecem as palavras dor e luto. Encaramos a vida como ela se nos apresenta e vivemos o momento. Pois esse está seguro, o seguinte pode não estar.Não pedimos a ninguém para entrar, como tal devemos permanecer nele até que o destino nos indique a porta de saída. Pelo lado que me toca, estou na septuagésima viagem, apenas sei que na primeira já entrei na parte final do trajeto e sem nunca ter saído, pois a seguinte começa no preciso momento em que anterior acaba. Cá vou eu nesta, na esperança de ouvir um tal slogan muito ouvido junto das pistas dos carrinhos de choque: “Nova corrida, nova viagem, que esta terminou!”Também vou eu vivendo hora a hora, dia a dia na esperança que a soma se alongue para que eu possa atingir a beleza que a maioria dos seres humanos pretendem alcançar: - “Uma bonita idade”.Assim me debrucei um pouco sobre a velhice que tanto quero alcançar, bem como a autonomia, pois estar sempre a depender de outrem, já não me dá gosto viver nesta vigem contínua que vou fazendo pelo planeta que habitamos.Mas também sei que não fujo ao destino, quando ele se lembrar, bem sei que tenho que sair e ter outra “partida”.Por hoje me despeço, té ao fim do Inverno.