A Ponte Aérea continua

O auxílio dos Estados Unidos da América é curioso. Segundo o Diário de Coimbra, só aceitariam prestar auxílio a Portugal caso ocorresse a troca do Governo português, na altura presidido por Vasco Gonçalves, porque o consideravam ser “«um aliado dos comunistas»”. Coincidência ou não, no dia seguinte, é noticiado pelo mesmo jornal o auxílio dos Estados Unidos com “prontidão e urgência ao pedido de assistência de Portugal para a evacuação dos refugiados de Angola”, sendo que, nesse mesmo dia, é anunciada a substituição no governo de Vasco Gonçalves pelo almirante Pinheiro de Azevedo.No início de setembro, para além da referência ao apoio da França, e também dos Estados Unidos – em que Washington previa “diariamente a evacuação de 400 refugiados, até à data da independência” – um comunicado do Presidente da República Português revelava que tinha “ofertas de apoio em fase de planeamento da RDA, Reino Unido e URSS”. Assim, como depois noticiou o Diário de Lisboa, a Grã-Bretanha disponibilizou auxílio “com um avião VC-10 da Real Força Aérea” durante o mês de setembro, enquanto o Governo Federal Alemão utilizou “aparelhos da sua Força Aérea” e “aviões «charters» da companhia «Lufthansa»”. As previsões apontavam para que os britânicos conseguissem “evacuar perto de mil pessoas” por semana. A R.F. Alemanha, que também se demonstrou disponível, previu “5 mil refugiados no máximo”.Quando a ponte aérea se intensificou verdadeiramente – segundo o Diário de Coimbra, a 10 de setembro – participavam “na ponte aérea «jactos» portugueses, ingleses, americanos, franceses, suíços e alemães-ocidentais”. Pouco tempo depois, a URSS também se mostrou disponível, colocando à “disposição das autoridades portuguesas dois aviões e um navio”.O intensificar dos voos e o auxílio internacional em meados de setembro veio ajudar à saída da população portuguesa de Angola, até porque “em finais do mês de agosto continuavam a registar-se em todo o território raptos, agressões, detenções, hostilização de população deslocada”. Foi neste cenário que chegou o almirante Leonel Cardoso a Angola, como novo Alto-Comissário, e prometeu que “faria tudo o que fosse possível para estabelecer a paz no território”.Com o passar dos dias, as pessoas iam conseguindo sair de Angola. Perto do final do mês de setembro, Leonel Cardoso “declarou que era necessário repatriar cerca de trezentas mil pessoas para Portugal”. Dessas pessoas, nem todas eram brancas, pois “havia um número substancial de mestiços e de negros” que abandonou o país com a ponte aérea. Por essa altura, era também noticiado que, nas ruas de Angola, estavam a ser “efetuadas verificações de identidade em quase todas as esquinas da rua, e certas pessoas desaparecem” sem deixar rasto.No início de outubro de 1975, continuavam a chegar pessoas a Luanda que pretendiam ingressar nos aviões com destino a Portugal, e o “receio das perturbações que poderão marcar o acesso do país à independência e a partida das tropas portuguesas” fazia prever que mais pessoas chegassem. Por esses dias, o Alto-Comissário português estimava que “200 000 a 250 000 pessoas já foram evacuadas de Angola desde meados de 1974”.O decorrer do mês de outubro foi contando com as viagens de repatriamento, mas também com notícias sobre a situação em Angola, como as dificuldades de abastecimento, onde “a maioria dos bares e mais de metade dos restaurantes luandenses” se encontravam encerrados, e os que permaneciam abertos tinham pouca oferta. Para além disso, uma notícia desse mês estimava, segundo uma fonte militar portuguesa, que “cerca de 20000 pessoas já morreram em Angola”.O primeiro dia do mês de novembro significou o fim da ponte aérea, e poucos dias depois seria proclamada a independência de Angola. Leonel Cardoso, a 10 de novembro, proclamou “solenemente, a independência angolana, «com efeitos a partir das zero horas do dia 11 de novembro»”. Contudo, referiu que Portugal tinha “dado provas de extrema ingenuidade política quando concordou com certas cláusulas do acordo do Alvor”.Assim sendo, segundo o Diário de Coimbra, que publicou um comunicado da Presidência da República com estas informações, a ponte aérea entre Angola e Portugal “transportou 221 265 portugueses”, sendo que a ajuda internacional conseguiu “permitir a efetuação de mais de 20% do total da ponte aérea”. São também referidos os países que ajudaram, bem como o número de passageiros, a saber: “EUA (30727), Grã-Bretanha (5906), URSS (4771), Rep. Fed. Alemã (4195), Rep. Dem. Alemã (4093), França (3874)”. É ainda noticiado que, na altura do comunicado, ainda estavam a ser transportados para Portugal refugiados que tinham fugido para a África do Sul, estando a deslocar-se por via aérea ou marítima, sendo que por essa altura já cerca de duas mil pessoas tinham regressado, faltando 2300 indivíduos.