A ORDEM DE CRISTO NA DIOCESE


“Há males que vêm por bem”, mesmo em tempo de pandemia. A sabedoria popular presente neste ditado, diz-nos que o confinamento a que estivemos sujeitos durante bastante tempo, e as restrições que sofremos em termos de mobilidade, não foram forçosamente negativas.Na verdade, é sempre possível tirar algo de positivo desta situação que tinha tanto de imprevista como de indesejável. Com efeito, a maior permanência no domicílio e disponibilidade de tempo, permitiram que alguns projetos que vinham sendo adiados, fossem retomados e quase concluídos.No nosso caso estava prevista uma publicação sobre “A COMENDA DE S. PEDRO DOS COMEDEIROS”, da Ordem de Cristo, que congregava as atuais freguesias de Trinta, Meios e Fernão Joanes.Este tempo de recolhimento foi aproveitado para aprofundar pesquisas on line nos arquivos da Torre do Tombo, obtendo, por essa via, uma quantidade assinalável de documentos e livros que se encontram digitalizados, e, por outro lado, consultar outros autores que se têm debruçado sobre o estudo da Ordem de Cristo no seu todo, e em particular sobre as Comendas Novas criadas por D. Manuel I.Como, de momento, o nosso estudo se concentra na Comenda acima referida, no decurso da investigação apercebemo-nos de um vasto conjunto de dados relativos à Diocese da Guarda cuja divulgação poderá ter interesse. Não enjeitamos a hipótese de, futuramente, voltarmos ao tema de forma mais profunda.
O Livro das Comendas da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, de 1563Em 2015, na Biblioteca Nacional, consultámos o microfilme do códice ali depositado, com o objetivo de confirmar se a Comenda de S. Pedro dos Comedeiros nele constava, e qual seria o nome do comendador e respetivo rendimento. A consulta obteve resultados positivos.O alvará indigitando o Dr. Pedro Álvares Seco para a elaboração deste livro, foi emitido por D.ª Catarina de Áustria, viúva de D. João III, e regente durante a menoridade de D. Sebastião, com data de 12 de dezembro de 1560.O livro foi acabado de escrever em 23 de julho de 1563, por Gaspar Garro, contendo 217 páginas, conferidas pelo próprio, pelo Dr. Pedro Álvares Seco, Freire e comendador da Ordem de Cristo, desembargador do paço real e da Casa da Suplicação, e por Pedro Luís Ortega, escrivão apostólico.Joana LENCART (2015, CEPESE, vol. 24, pp.37-57), que também consultou o microfilme, com mais cuidado, porque estaria em causa uma tese de doutoramento, dá-nos uma descrição pormenorizada do códice e das suas partes. Na referida tese (2018) inclui, em anexo, um quadro que sintetiza os dados relativos às comendas constantes do códice microfilmado.Assim, Pedro Álvares começa por enumerar as comendas antigas e novas, refere o nome do comendador e respetivo rendimento, iniciando o relato pela prelazia de Tomar, sede da Ordem. Segue-se o arcebispado de Lisboa, com as tenças ligadas à Casa da Mina e Índia, os bispados de Ceuta, do Funchal, Angra e Santiago de Cabo Verde. Continua a enumeração com o arcebispado de Évora, o de Braga que inclui a Diocese de Miranda, e depois os bispados de Coimbra, Guarda, Viseu, Lamego, Porto e Silves.O quadro que a seguir apresentamos dá-nos uma perspetiva da distribuição das Comendas da Ordem de Cristo à data em causa.Comendas da Ordem de Cristo em 1563Notas: * Braga inclui o bispado de MirandaA leitura do quadro permite-nos concluir o seguinte:1. Verifica-se uma concentração das comendas antigas no território do bispado da Guarda, onde a Ordem dos Templários tinha estado presente desde muito cedo. Outras ordens religioso-militares (Hospital, Malta, Calatrava/Avis, Santiago) estavam fixadas noutras partes do território, particularmente a sul do Tejo.2. Infere-se também que as “Comendas das 50 Igrejas do padroado” que D. Manuel tinha decidido transformar em outras tantas Comendas, não foram suficientes para alcançar os objetivos pretendidos, daí que outras Igrejas tenham sido integradas, perfazendo no total 83, à data da presente enumeração.3. No caso das comendas dos 20.000 cruzados, no número das atribuídas ao bispado de Lamego (29), encontram-se os mosteiros e igrejas dos concelhos do Sabugal, de Figueira de Castelo Rodrigo e dos termos de Marialva e de Pinhel que, em 1515, a ele pertenciam;4. O número de comendas, incluindo as velhas, não deixou de crescer, sobretudo a partir do momento em que D. João I, após a morte de D. Diogo de Sousa em 1417, quebrou a tradição de nomear para Mestre da Ordem, um freire cavaleiro eleito em Capítulo Geral, optando pelo Infante D. Henrique, em 1420, para o Mestrado da Ordem.Quando D. Manuel I subiu ao poder, havia já 70 comendas ditas velhas, em comparação com as 28 existentes em 1326. No final do seu reinado seriam cerca de 454, se considerarmos todo o tipo de comendas por ele criadas (SILVA, 2015, p.39).O aumento continuado de comendas, que acompanhou o avanço dos Descobrimentos e a necessidade de premiar os muitos que, a expensas próprias, combateram nas praças de África, da Ásia, e nas armadas, justificou este acréscimo assinalável, ao mesmo tempo que alertou a coroa para o problema de controlar o que se passava dentro do universo da Ordem.A vontade de controlar o que se passava na Ordem terá começado ainda no tempo de D. Manuel, mas é no reinado de seus sucessores que se materializa, entre 1530 e 1581, através da publicação de uma série de obras (15), escritas ou supervisionadas por Frei Pedro Álvares Seco, nas quais se integra o presente livro, e um outro que vamos analisar de seguida.