A MULHER E O TRABALHO (I)

Atualmente, há uma opinião relativa ao papel da Mulher no mundo do trabalho que indica que esta apenas estava em casa, enquanto o marido trabalhava para sustentar a família. No entanto, fazendo uma análise do que a investigação histórica tem produzido, essa ideia é falsa.Na verdade, as mulheres exerciam um trabalho económico na produção, transformação e comercialização de bens. As economias, até ao século XIX, não seriam capazes de funcionar sem a participação das mulheres no trabalho.No mundo ocidental, a maioria da população era camponesa, o que significa que eram pessoas com extremas dificuldades económicas. As suas habitações eram muito básicas, normalmente em terra batida, sem janelas ou chaminé. Para além disso, por vezes, compartilhavam o mesmo espaço com animais, o que indica alguma falta de limpeza e higiene na própria casa. O vestuário era normalmente repetido, e as refeições rudimentares, o que fazia com que lhes fosse absorvido pouco tempo na confeção de alimentos. Por tudo isto, era impensável haver membros na família que não trabalhassem. Muitas vezes, as mulheres não ajudavam na agricultura, pois eram, na verdade, elas próprias agricultoras. No entanto, nem só no campo trabalhou a Mulher. Enquanto que as camponesas trabalhavam na terra, nas cidades as mulheres exerciam várias profissões menores, assim como os homens, como despejos, lavadeiras ou hospitais. Para além disso, as mulheres vendiam nos mercados, nas praças e nas ruas, o que nos mostra a sua participação quer no setor terciário, quer também no primário e secundário. Só nas profissões especializadas, que exigiam formação intelectual, é que não desempenhavam funções, uma vez que estavam proibidas de entrar e frequentar a universidade.Num estudo de Coimbra do século XVII, a maioria das pessoas que pediu autorização para realizar comércio eram mulheres, sendo que estas representavam 95% daquelas que estavam nas praças. Nas lojas, com uma maior estima social, e apesar de por vezes estar lá o casal, também era comum estar apenas o sexo feminino responsável pelas vendas. Nas tendas - atuais restaurantes-, muitas das pessoas que pediam licença eram mulheres, ao passo que nas estalagens costumavam partilhar a autoridade do espaço. Na verdade, muitas vezes, após o casamento, a mulher mantinha a sua profissão anterior ao casamento, e o seu marido também, mesmo que não desempenhassem as mesmas funções ou que não estivessem no mesmo espaço laboral. Contudo, pressupunha-se que a esposa teria autorização do marido para permanecer no seu posto de trabalho.Em 1647, as lojistas constituíam 2/3 de todo o corpo destes profissionais, sendo o 1/3 restante composto por casais; estas constituíam 63% das donas de todas as casas de pasto; 80% dos estalajadeiros eram casais que trabalhavam em parceria; e das que exerciam atividades de comércio, 35% eram casadas, 25% eram viúvas e só 8% eram solteiras. Mais se pode dizer que estas trabalhadoras, vitais para o abastecimento da cidade, levaram a cabo ações de greve que perturbaram a vida citadina provocando inclusive a ação das autoridades civis. A sua influência nota-se também com a participação em algumas atas da câmara municipal.Há outro estudo, relativo à cidade de Coimbra, do século XVII e XVIII - ainda que este último século não seja tão rico em fontes – que não encontra nenhuma mulher com o estatuto de mercadora. No entanto, isso não significa que estas não tenham existido. Segundo a investigação, foi encontrada uma grande mercadora, Sebastiana da Luz, a quem não lhe era atribuída essa designação. Essa mulher deixou, após a sua morte, a sua fortuna para a Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, uma vez que não tinha nem marido nem filhos. No testamento por si elaborado, deixava à Misericórdia algumas condições para o uso do seu dinheiro, como uma doação para dotes. Esse documento assinalava ainda o inventário, o que permitia verificar o que a mulher tinha feito ao longo da sua vida. Por ter já antes recebido a sua herança da parte do pai, à qual a sua irmã contestou, a investigadora conseguiu também ter acesso ao testamento do pai. Deste modo, conseguiu-se verificar que a fortuna dela seria quatro vezes superior à do seu progenitor. Soube-se que fazia exploração de vinha, tinha uma mercearia e vendia artigos de retrosaria e de loja de ferragem. Assim, fica demonstrado que era uma mulher de negócios como o pai. Esta situação faz questionar se, por esta nunca ter recebido a designação de mercadora, não terá havido outras mulheres neste tipo de situação. De facto, a questão das mulheres empreendedoras é um assunto ainda por explorar, apesar de não existirem muitas fontes relativas a esse tema.