Na Liturgia da Palavra de cada Domingo,

a primeira leitura e o evangelho apresentam geralmente um tema comum. Hoje, isso é particularmente visível. O profeta Isaías transmite palavras de coragem e esperança a um povo de coração atribulado, anunciando que Deus mesmo, em pessoa, virá trazer a justiça e a salvação. Então, “se desimpedirão os ouvidos dos surdos… e a língua do mudo cantará de alegria”. O evangelho mostra o cumprimento desta profecia em Jesus, Deus feito homem, ao curar um “surdo que mal podia falar”. E diante do milagre, o povo exclama: “Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem”.
Além de revelar Jesus como Aquele que realiza as esperanças de justiça e salvação, São Marcos continua a mostrar como Cristo vem quebrar as barreiras que os próprios homens inventam. Em nome de preconceitos religiosos e de mandamentos inventados por homens sem coração, como víamos no Domingo passado, a sociedade facilmente parece separada por puros e impuros, por santos e pecadores, por fiéis e infiéis, judeus e pagãos.
Depois de demonstrar que a pureza ou impureza tem a ver com o interior da pessoa (o coração) e não com o exterior (a proveniência, a religião…), Jesus faz questão de entrar hoje no território da Decápole (‘dez cidades’), uma região considerada pagã, impura, pelos judeus. Torna-se assim muito significativo que seja pagão o tal “surdo que mal podia falar”. E tudo o que Jesus faz por ele adquire, por isso, um grande significado humano e religioso: não tinha voz, mas alguém falou por ele; Jesus escuta a intercessão de quem toma a seu cargo o sofrimento alheio; fica a sós com o homem que sofre; toca-lhe; invoca o poder de Deus e compadece-se (“erguendo os olhos ao Céu, suspirou”); a sua Palavra liberta e cura: «Abre-te».
“Escutai-Me e procurai compreender”, dizia Jesus à multidão a propósito da questão da impureza. Além disso, mais que uma vez os discípulos são apresentados com um coração duro, incapazes de compreender a Palavra de Jesus, o qual chega a questioná-los: “Tendes o vosso coração endurecido? Tendes olhos e não vedes, tendes ouvidos e não ouvis?”
O Evangelho não é palavra nem linguagem cujo sentido se não perceba, mas só quem tem coração livre se deixa guiar por ele e se torna discípulo de Cristo. Compreender a Palavra de Deus não é uma questão de inteligência (embora ela ajude) mas de conversão do coração. O homem pagão, surdo e mudo, curado pela Palavra de Jesus, é o símbolo desta abertura de mente e de coração que a Palavra de Deus provoca em quem a escuta, a acolhe e a faz vida.