Quando ouviu dizer que João Baptista tinha sido morto, Jesus sentiu necessidade de estar sozinho e retirou-se para um lugar isolado. Mas a esta necessidade sobrepôs-se a de uma multidão com os seus doentes que procuravam em Jesus a cura e a salvação. Como sempre, Jesus esquece-se de si, movido pela compaixão.
O sentimento de compaixão de Cristo diante das necessidades e sofrimento humano é referido várias vezes nos evangelhos. É a compaixão, o amor misericordioso que move Jesus a falar e a agir. É este sentimento que não deixa Jesus indiferente diante da multidão necessitada de alimento. Se os discípulos, movidos pelo bom senso e a lógica humana, pedem a Jesus que mande aquela gente embora, Jesus, movido por compaixão, faz o contrário e diz-lhes: “dai-lhes vós de comer”. Os discípulos de Jesus, os cristãos, não podem demitir-se da sua responsabilidade e fechar os olhos diante das necessidades dos irmãos.
Os recursos dos discípulos são escassos (“não temos senão cinco pães e dois peixes”) diante dos milhares de pessoas. Mas Jesus serve-se desse pouco e multiplica-o. Acolhendo o que os discípulos lhe podem dar, Jesus “ergueu os olhos ao Céu e recitou a bênção”. Jesus enfrenta o problema “com os olhos no Céu”. Olha para o Pai, fonte e origem de todos os bens, e é este olhar confiante e a atitude de acção de graças (“recitou a bênção”) que possibilitam o milagre. Jesus não se revolta nem cria desculpas mas dá graças. Jesus dá graças pelo pouco que tem para distribuir, bendiz a Deus porque tem algo para dar.
Movido pela compaixão e com os olhos postos em Deus, Jesus opera então uma acção milagrosa. Mas ao narrar o milagre, S. Mateus não quer que contemplemos apenas o poder do Filho de Deus, ao saciar com cinco pães e dois peixes a fome a uma multidão de milhares de pessoas, mas que aprofundemos o simbolismo e alcance mais profundo deste acontecimento.
Este milagre ocorreu num lugar deserto. Isto transporta-nos ao deserto pelo qual caminharam os judeus até chegarem à terra prometida. Naquele local, Deus matou a fome ao povo com o maná. Neste novo deserto, Jesus, o novo Moisés, o salvador definitivo enviado por Deus, sacia a fome do novo Israel, a Igreja. E mais ainda, Jesus é Aquele que sacia a fome de vida eterna, de felicidade, de paz e de justiça de toda a humanidade.
Os cinco pães e os dois peixes multiplicados por Jesus, foram também vistos pelos primeiros cristãos como um símbolo da Eucaristia. Este simbolismo aparecia já representado nas catacumbas onde foram sepultados vários cristãos e mártires dos primeiros séculos da Igreja. O número sete ajuda a ler este significado. Mas alcançamos a mensagem mais profunda do milagre se unimos o texto do evangelho ao da primeira leitura.
Diz o Senhor: “Ouvi-me com atenção e comereis o que é bom; saboreareis manjares suculentos”. Os manjares suculentos são as palavras que saem da sua boca. “Saboreai e vede como o Senhor é bom!” O convite a ouvir com atenção, com coração aberto, a Palavra de Deus; a comermos o que é bom, a bondade de Deus manifestada na pessoa e na vida de Cristo. Convite que acolhemos com a participação na Eucaristia, banquete que nos sacia, nos fortalece e nos capacita para a responsabilidade que temos diante da humanidade sedenta e carente de Vida, sob tantas formas doente, e que espera ver reproduzidos nos cristãos os mesmos sentimentos e atitudes de Jesus.