Jesus, tendo abandonado a casa de Jairo, dirigiu-se para sua terra.

Até agora, no evangelho segundo São Marcos têm sido quase sempre as pessoas a procurar Jesus para escutá-l’O ou pedir-Lhe ajuda, como fizeram Jairo e a mulher com o fluxo de sangue. Tomando a decisão de ir ter com os seus conterrâneos e parentes, Jesus faz o movimento inverso: é Ele que nos procura. Assim vemos como que simbolizado o duplo movimento da vida espiritual: toma Deus a iniciativa de nos procurar, de vir ao nosso encontro, e, ao mesmo tempo, suscita em nós o desejo de O acolher, de sairmos da nossa casa, de nós mesmos, de prestarmos a adesão da nossa vontade à graça, ao amor gratuito de Deus que nos precede e busca.
Encontrámos já em anteriores passagens do evangelho várias pessoas que escutaram e acolheram o convite de Jesus a segui-l’O. Mas assistimos a outras situações de recusa e oposição ao mesmo Jesus. O que pode agora surpreender, é que sejam precisamente aqueles que Lhe eram mais próximos, conterrâneos e familiares, a não quererem reconhecer naquela visita de Jesus a visita do próprio Deus.
Não nos apressemos a julgar a sua falta de fé. A atitude deles é até compreensível. Jesus é o Filho de Deus que, ao encarnar, “assumiu a condição humana, em tudo igual a nós excepto no pecado”. Ele viveu em Nazaré uma vida tão humilde, despretensiosa e aparentemente banal que a possibilidade de que o Deus omnipotente estivesse presente n’Ele era simplesmente incompreensível, mais ainda para os que O conheciam. No fundo, é a humildade de Deus que desconcerta.
A incapacidade para reconhecerem em Jesus a presença de Deus e a recusa para se abrirem à fé é simbólica da rejeição do seu povo: “Veio para o que era seu, mas os seus não O reconheceram”. Era tão aguda a incrença entre os seus que Jesus “não podia ali fazer qualquer milagre”. Com este comentário, São Marcos não se incomoda de descrever o Filho de Deus limitado no seu poder, porque lhe importa sublinhar a necessidade da fé, da nossa abertura e disposição para acolher o dom de Deus.
“Não podia ali fazer qualquer milagre”. Esta impossibilidade é limitada “ali” e tem fundamento na falta de fé dos seus conterrâneos. Jesus não perdeu o seu poder divino em Nazaré, mas ali mostra que Deus se comporta com os homens de modo diverso a como se comporta com as forças da natureza. A estas, Jesus impõe-se com força, e basta a sua palavra para automaticamente as dominar (recordamos a tempestade acalmada). Mas dos homens Ele respeita a decisão. Não obriga à fé aqueles que não querem acreditar n’Ele, aqui está a razão da sua impossibilidade em fazer milagres em Nazaré.
Deus é humilde. Sem deixar de ser Deus omnipotente, na encarnação assumiu a humildade da nossa condição humana. Tornou-se semelhante aos homens. Tão semelhante, que os seus conterrâneos não puderam acreditar que fosse ao mesmo tempo infinitamente diferente. Só o Evangelho nos possibilita vencer a aparente contradição da fé cristã: acreditamos num Deus incrível.