Jesus serve-se frequentemente de acontecimentos correntes para deles tirar ensinamentos espirituais.

Os contemporâneos de Jesus (e ainda algumas pessoas do nosso tempo) associavam a morte e o sofrimento com o pecado. Assim, por exemplo, quer as mortes causadas pela crueldade de Pilatos quer aquelas resultantes de um desastre, eram vistas como um castigo de Deus. Ora, a conclusão de Jesus é bem diferente. Aqueles que pereceram não eram piores (mais pecadores) que os que ficaram em vida. Deste modo, Jesus opõe-se a uma maneira de pensar que não só dá uma ideia errada de Deus como também cria uma perigosa ilusão: os que sobrevivem julgam-se menos pecadores, santos e justos, pois Deus poupou-os!...
A verdade é que diante de Deus somos todos pecadores e, por isso, todos necessitamos do seu perdão e da sua misericórdia, todos temos necessidade de arrependimento. A presunção de santidade (‘eu não tenho pecados’…) é um perigo para a alma, uma falsa segurança, como avisa São Paulo na segunda leitura: “quem julga estar de pé tome cuidado para não cair.”
Não devemos, por outro lado, passar por alto pela advertência de Jesus: “E se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo”. Jesus esclareceu já que a morte física não é castigo de Deus pelo pecado. Então, de que morte Ele fala? Para mim, faz sentido ver aqui uma referência à morte eterna, ao inferno, mas também à morte espiritual que podemos experimentar já agora, consequência do pecado. A parábola da figueira, que se segue, é esclarecedora.
Uma figueira que não dá figos (como uma vida de pecado), não só é inútil como prejudicial. A profundidade das suas raízes e a densidade da folhagem tornam difícil que outras plantas cresçam à sua sombra. Uma vida de sombra, uma existência sem luz. Sem mudança de vida, sem conversão, sem arrependimento, somos árvores sem frutos. É necessário, por isso, pedir ao Senhor compaixão e paciência (“deixa-a ficar ainda este ano”, esta Quaresma…), e deixarmos o agricultor (Cristo) trabalhar em nós a fim de mudar a nossa situação e impedir que um estado de morte espiritual acabe em condenação.
O Deus que se deu a conhecer a Moisés, na primeira leitura, é um Deus sensível ao sofrimento do povo: “Eu vi… escutei… conheço as suas angústias”. E, por que é clemente e cheio de compaixão, compromete-se em libertá-lo. Do mesmo modo, Cristo (simbolizado no vinhateiro da parábola), vendo o nosso pecado, escutando a nossa súplica humilde e conhecendo a nossa situação, compromete-se até à morte e morte de cruz para nos salvar.
Talvez um agricultor experimentado diga: se a figueira não deu fruto durante anos é inútil deitar adubo, cavar em volta. Já não há nada a fazer. Mas Jesus não perde a esperança na humanidade. Espera que a sua morte nos faça viver, que a semente da sua Palavra encontre nos corações contritos terra boa, que o “adubo” dos seus sacramentos nos faça crescer.
Apesar do meu pecado e da minha vida estéril ainda é capaz de olhar para mim e dizer: “Talvez venha a dar frutos”. A parábola termina intencionalmente aberta. Como a nossa vida. Cristo já fez tudo para nos mudar. Mas o final feliz depende de nós. Do nosso esforço de conversão, da nossa colaboração com a graça de Deus. O Senhor não quer a morte do pecador, mas que ele se arrependa e viva.