Faz anos a cidade da Guarda que, em 1199, D. Sancho I mandara erguer no alto da serrania para melhor se defender das investidas dos príncipes de Castela.
Não tinha o local tradições históricas nem se celebrizava por qualquer ocorrência ou mesmo povoamento que lhe desse nome. Era apenas o alto de um morro para onde, ao mesmo tempo ou pouco depois, a sé da Egitânia foi transferida, a pedido de el-rei, com o intuito de aí segurar um conjunto de eclesiásticos que dessem continuidade ao povoamento. Todavia, como tudo no local fosse ermo, sem casa onde habitar, nem gente para um verdadeiro povoado, embora sem grandes fundamentos, narram historiadores ter sido um bispo nomeado de imediato para o local.
Tudo, no entanto deveria ter ficado na velha Idanha. A confusão virá porque a palavra latina Egitânia servia para nomear o sítio antigo do bispado e o novo lugar onde, depois da fundação ficava este estabelecido. Uma tradição mui antiga leva-nos a afirmar que, em 1229 ainda habitavam nesse local, o bispo com o seu cabido ou talvez viessem mais para o norte e arranjassem residência em Penamacor.
A diocese da Guarda ficou então sufragânea de Compostela, quando se fizeram as divisões entre Braga e essa cidade galega.
Bem extenso era o território desta diocese, pois que só, muito mais tarde, no concílio provincial de Salamanca, o Tejo ficou a marcar a divisão, quando se fundou a diocese de Santarém, porque os bispos egitanienses abandonavam facilmente a sua cidade, e iam viver em Abrantes, sobretudo por causa dos frios do inverno.
A igreja diocesana foi-se incorporando nos costumes e estatutos das outras, à medida do repovoamento e das divisões das igrejas a ela vinculadas.
Os conventos foram-se erguendo, consoante as vocações religiosas tanto masculinas como femininas. Na cidade, ainda hoje se podem admirar os locais onde os seguidores de S. Francisco, tanto eles como elas, se foram instalando.
Também os seminários, após as prescrições do Concílio de Trento, se fundavam, à medida que despertavam as vocações para o sacerdócio, sem falar em outras casas religiosas construídas, no decorrer dos séculos, tanto para o serviço diocesano como para as longínquas missões, pouco depois dos descobrimentos.
Pode a cidade orgulhar-se de ser a primeira ou a segunda diocese, após Braga, a erguer casa para formar o seu clero.
Naturalmente que figuras eclesiásticas de grande porte, com o encargo de dirigirem estas obras e ajudarem o governo do bispo, davam à nossa terra uma certa aura e honra que a punham não muito abaixo de outras povoações da nossa pátria.
Sobretudo nos séculos XVI e XVII, os concílios que se reuniam, em ordem à vida cristã dos leigos e apostolização realizada pelo clero, eram bastante frequentes, como registam as respectivas actas que os avatares dos tempos não destruíram.
Pequena cidade sem grandes possibilidades de crescer e celebrizar-se, pois não possui grandes fontes de riqueza nem lugares onde se acumulem pessoas célebres para afamarem a nossa história, uma vez que a pretensão de tantos não encontra aqui muitas oportunidades de enriquecerem ou se tornarem célebres, deixa a Guarda na sua modéstia e, daí também, na sua calma e paz.
Um nascimento discreto hoje comemoramos, onde se pode rever o desenrolar simples da vida do nosso burgo ao qual não faltam testemunhos históricos que podem evocar a grandeza modesta da sua existência, através das idades.
A catedral, as muralhas, os arruamentos, alguns palácios, aí estão a testemunhar o nosso passado e a apontarem-nos as vias do futuro e o estilo dos nossos hábitos sujeitos às vicissitudes variadas que fazem parte do nosso historial começado com o nascimento simples e penoso que hoje lembramos, para prosseguirmos com as dificuldades e aspirações de melhores tempos, pois que a ambição dos homens e o desenrolar dos anos pretendem sempre o melhor.
Neste movimento de futuro todos estamos lançados, aguardando também as dificuldades das quais ninguém está livre neste mundo.
A Guarda espera dos moradores dedicação, trabalho e boa vizinhança. A eles oferece a simpatia, paz e segurança numa convivência amiga e benquista herdada dos séculos transactos, pois já fazem parte da nossa tradição.
O lembrar o passado traz força aos tempos vindouros. Daí, as nossas comemorações.