Combatentes da região que sobreviveram à Grande Guerra


Muitos dos soldados da região da Guarda que combateram na Grande Guerra regressaram a casa doentes e com mazelas que os acompanharam para o resto da vida.
Júlia de Jesus Bernardo, de 89 anos, residente na Quinta do Salgueiro, no concelho de Celorico da Beira, lembrou ao Jornal A Guarda que o pai, José Bernardo Isabel, que faleceu há cerca de 30 anos, com a idade de 90 anos, regressou vivo, mas “nunca mais teve saúde”. “Viveu até aos 90 anos, mas ganhou bronquite e uma doença no estômago”, contou a filha do soldado que casou depois da Guerra e foi pai de 8 descendentes.
“O meu pai dizia que sofreu lá muito, na guerra. Contava que esteve num ermo, que dormia na rua e que passou muita fome. Dizia que lhe davam feijões com bicho e que a comida era pouca. Para matarem a fome, ele e os outros, roubavam o pão que as mulheres viúvas andavam a vender”, relatou. A filha lembra ainda que o pai contava que durante os combates “escondia-se nas valas e que as balas lhe passavam por cima”.
Quando José Bernardo Isabel morreu, não foi homenageado, mas a filha conta que “diziam que até pertencia porem-lhe uma lápide na sepultura”. No entanto, por a mulher, que ficou solteira, ter cuidado do pai até morrer, recebe “uma pequena compensação” do Estado e da Liga dos Combatentes.
Da Quinta do Salgueiro estiveram, na mesma altura, quatro soldados na Guerra: José Bernardo Isabel, Afonso Bernardo, Luís Miguel e António Álvaro. “O Álvaro já estava casado quando foi e tinha um filho ou dois, mas o meu pai casou quando veio. Graças a Deus não ficou lá nenhum, regressaram todos vivos. Antes de partirem confessaram-se e levaram medalhas benzidas da igreja”, lembrou Júlia de Jesus Bernardo. Contou que quando os soldados andavam na Guerra Mundial “as famílias rezavam muito por eles”. “Ouvi dizer que quando regressaram foi uma alegria muito grande. Vieram os quatro vivos de uma aldeia pequenina. Eram uns heróis. As pessoas diziam que foi um milagre eles regressarem vivos, porque morreu lá muito homem e daqui não morreu nenhum. As pessoas e as famílias rezaram muito por eles a Nossa Senhora e ao Santíssimo Sacramento para os guardarem. A minha avó e os filhos rezavam muito pelo meu avô e até na Igreja faziam orações pelos soldados que andavam num martírio muito grande”, relatou.